Em um hospital de Nova York na virada do século XX, o médico William B. Coley observou que quando alguns pacientes de câncer contraíam infecções bacterianas agudas, os tumores diminuíam significativamente. Convencido de que a redução estava de alguma forma ligada às infecções, o americano, hoje considerado o pai da imunoterapia, deu um passo ousado. Injetou bactérias nos pacientes para estimular uma infecção bacteriana.

O trabalho era promissor, mas os resultados ainda eram inconsistentes, e os avanços nos tratamentos cirúrgicos e por radiação colocaram-no de escanteio, como relata a literatura médica. Hoje, no entanto, o tratamento ganha força e se fixa como um horizonte seguro no repertório de oncologistas ao redor do mundo, foi uma das principais discussões do Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), que aconteceu em Chicago, nos Estados Unidos.

As células cancerosas se originam de tecidos do corpo que têm DNA danificado e, portanto, crescem fora de controle. Essas células podem enganar o sistema imunológico para que ele pense que elas não são uma ameaça ao desligar a resposta imune ou ao parar as funções imunológicas que poderiam destruí-las.

A imunoterapia utiliza diferentes maneiras de reverter esses truques, permitindo que o sistema imunológico responda como deveria e ataque o câncer. Recentes avanços têm sido feitos especificamente para o tratamento do melanoma e do câncer da próstata, e começaram a ser promissores no tratamento do pulmão, do rim, do colo do útero, da cabeça e do pescoço, e vários outros tipos da enfermidade.

— Sabemos que o câncer tem vários pilares de sustentação, com oito conhecidos, e as estratégias da imunoterapia estão voltadas para destruir esses pilares — explica Mauro Zukin, diretor técnico do Grupo COI (Clinicas Oncológicas Integradas). — Nós, pesquisadores, sempre ficamos intrigados porque o corpo é capaz de combater tão habilmente um corpo estranho, como um vírus ou uma bactéria, e um câncer não. Como ele consegue se esconder e não ser reconhecido. Esse mecanismo foi desvendado e hoje já temos armas que são capazes de marcar a célula maligna para que o sistema imune através das células T (de defesa) destruam o câncer.

Em um dos estudos apresentados na reunião anual comparando a quimioterapia padrão com a droga imunoterápica nivolumab, os pesquisadores descobriram que pessoas com câncer de pulmão não-escamoso, forma comum da doença, que receberam o medicamento viviam, em média, 3,2 meses a mais do que aqueles que receberam quimioterapia. Os resultados da pesquisa, publicados no New England Journal of Medicine, também mostraram que, após um ano, o grupo do nivolumab teve quase o dobro da taxa de sobrevivência (42%) do que os pacientes de quimioterapia (24%).

Nivolumab é um medicamento de um grupo dos chamados "inibidores de checkpoint" que funcionam por ruptura de um sistema de sinalização utilizado por cânceres para evitar a detecção e a destruição por células do sistema imunológico. O sistema proporciona um tipo de "aperto de mão" ou uma ligação entre os receptores nas células imunológicas, chamados de PD-1, e suas proteínas irmãs em células tumorais, chamadas PD-L1, o que inativa os nossos linfócitos, as células de defesa. Os inibidores de checkpoint, então, agem bloqueando esse aperto de mão, o que alerta as células imunológicas sobre as células cancerosas, assim as orientando para a destruição.

— Esse é apenas um dos vários canais de comunicação entre essas células, assim, várias outras estratégias podem ser criadas para ajudar ainda mais o sistema imune — afirmou Daniel Herchenhorn, coordenador científico do Grupo de Oncologia D’Or. — Há trabalhos em andamento para estimular as células tumorais a expressar o receptor PD-L1, por meio de vacinas ou interferon-gama, e, com isso, ajudar na ação dos medicamentos.

Apesar de o estudo ter sido positivo inclusive para os pacientes que testaram negativo para o biomarcador PD-L1 (ou seja, que não tinham a proteína em seus tumores), o benefício atingiu mais aqueles com os mais altos níveis dela, reduzindo o risco relativo de mortalidade em cerca de 60%. Segundo o oncologista Daniel Tabak, membro titular da Academia Nacional de Medicina, "a melhor seleção dos pacientes através dos biomarcadores preditivos de resposta permitirá a utilização das novas drogas de uma forma mais inteligente e mais econômica: o uso seria restrito aqueles pacientes com maior potencial de resposta".

Qualquer sucesso contra o câncer de pulmão é considerado bem vindo. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), ele é o mais comum de todos os tumores malignos, apresentando aumento de 2% por ano na sua incidência mundial. No Brasil, a doença, cujo fator de risco mais conhecido é o fumo, foi responsável por 22.424 mortes em 2011.

— Mais do que simplesmente mais um medicamento, a comprovação do sucesso da imunoterapia em câncer de pulmão, seguindo o que já vem acontecendo em melanoma, e também em diversos outros tumores que vêm sendo estudados com sucesso, mostra uma mudança de paradigma, com a comprovação que podemos tratar não apenas o tumor em si, mas, sim, o paciente, por meio do estímulo as células de defesa do organismo — opinou Herchenhorn.

Participante de outro estudo realizado com a mesma droga, também conhecida como Opdivo, John Ryan, morador do estado da Virgínia, foi diagnosticado com câncer de pulmão incurável há dois anos e recebeu a informação de que ele não viveria para ver a graduação da faculdade de seu filho, como reportou a agência de notícias Associated Press.

Os tratamentos padrões o deixaram exausto, propenso a infecções, e pouco fizeram para diminuir o tumor. Juntou-se, então, ao estudo em outubro de 2013, e começou o tratamento com Opdivo. Três meses depois, seu tumor tinha sido reduzido em cerca de dois terços e ele se sentiu bem o suficiente para ajudar o filho a cortar uma grande árvore para fazer lenha.

Agora ele anda três quilômetros na maioria dos dias, e, o melhor de tudo, acabou de testemunhar o fim da graduação de seu filho de 23 anos no Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia.

— Fico lá fora assobiando com os pássaros e me sentindo de bem com a vida — disse Ryan, que hoje tem 70 anos. Ele ainda está recebendo o remédio.

O remédio foi aprovado em março para uma forma menos comum de câncer de pulmão, e no ano passado para o melanoma. Duas outras imunoterapias estão aprovadas para melanoma: Keytruda e Yervoy.

Um ensaio clínico de fase 3 (em estágio avançado, e com maior número de pacientes), também demonstrado no encontro anual, mostrou que a imunoterapia é mais potente contra o melanoma quando dois agentes são combinados. A comparação da ação terapêutica da nivolumab, isoladamente ou em combinação com ipilimumab (Yervoy), mostram que a ação conjunta de ambas as terapias foi "significativamente mais eficaz do que o ipilimumab sozinho".

— A associação de diferentes imunoterápicos pode ser ainda mais eficaz, tornando ainda maior o estímulo ao sistema imune, e assim, abrindo fronteiras para uso dessas associações em outros tumores — disse Herchenhorn. — Ainda que não seja a cura de todas as doenças, abrem-se portas para novas combinações, estudos e maneiras de tentar estimular cada vez mais o sistema imunológico.

Até agora, o ipilimumab e o nivolumab foram aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA , por sua sigla em inglês), apenas para tratar separadamente melanomas metastáticos inoperáveis ou avançados que não respondem aos tratamentos convencionais. No Brasil, algumas drogas imunoterápicas também já estão disponíveis para melanoma.

Horizonte seguro e eficaz

Como ocorre em qualquer tratamento inovador para câncer, grandes expectativas são depositadas. Muitas vezes, com o tempo e maior acompanhamento, muitas promessas acabam não se mostrando tão eficazes. No entanto, como apontam os especialistas na enfermidade presentes na Asco, a imunoterapia tem se mostrado um horizonte seguro que pode sustentar as esperanças de pacientes e familiares.

— Além de ser um mecanismo de ação totalmente diferente, e de apresentar-se como terapia bastante bem tolerada, os resultados obtidos, ainda que não se fale em cura, mostram resultados bastante consistentes em vários tumores, inclusive alguns antes considerados muito resistentes às terapias habituais. Mas ainda há muito a aprender, e com certeza nos próximos anos seremos mais capazes de identificar como melhor usar essas novas armas — ponderou Herchenhorn, acrescentando que a quimioterapia continuará a ser usada por muitos anos em vários tumores, apenas com terapias diferentes sendo incorporadas em conjunto com as já existentes.

Enquanto comemora os estudos iniciais mostrando que é uma estratégia eficaz, Zukin, membro do comitê de educação de câncer de pulmão da Asco, afirmou que não vai apostar todas as fichas na estratégia. Ele acrescentou que, se o câncer possui vários pilares, não será destruindo um que "a casa vai cair". Nesse sentido, concordou que a quimioterapia convencional não será abandonada.

— Vamos usar uma sequência ou uma combinação de estratégias — disse.

Fonte: O Globo