Um comprimido por dia para prevenir o HIV em pessoas com maior risco de contrair o vírus. Esse é o modelo da chamada profilaxia pré-exposição, que deve ser alvo de dois novos estudos em larga escala no país.

Pela primeira vez, o Brasil terá como estratégia de saúde pública uma pesquisa para avaliar o uso de um medicamento preventivo contra o HIV por adolescentes de 16 a 19 anos que se consideram mais suscetíveis ao vírus.Até então, os estudos eram conduzidos apenas em adultos que também fazem parte de populações de risco ampliado para o vírus, como homens que fazem sexo com homens e transexuais.

Agora, a ideia dos dois estudos é ampliar os testes da terapia preventiva para mais participantes e incluir os mais jovens. A Prep, sigla usada para a profilaxia, é composta pela associação, em uma só pílula, de dois antirretrovirais: tenofovir e emtricitabina. No mercado internacional, o medicamento preventivo tem o nome comercial Truvada.

Em geral, o usuário acompanhado na terapia toma um comprimido por dia como forma de obter a prevenção ainda antes da relação sexual.

O modelo é diferente da profilaxia pós-exposição, já adotada no Brasil, em que outros medicamentos são usados após possível contato com o vírus, seja por vítimas de estupro, trabalhadores de saúde ou pessoas que fizeram sexo desprotegido.

A eficácia do Truvada é comprovada na literatura médica, desde que ele seja usado de forma correta. "Se o medicamento está no sangue na hora da relação sexual, a proteção chega a quase 100%", diz o infectologista Esper Kallás.


A ideia, agora, não é verificar a eficácia, mas testar se pessoas em situação de risco ampliado para o HIV aceitam tomá-lo como alternativa ao combate à epidemia de Aids, especialmente entre jovens.

Cerca de 1.800 adolescentes sexualmente ativos devem participar do estudo, previsto para começar no primeiro semestre de 2016. Já a amostra da nova pesquisa em adultos ainda não foi definida.

Análise de Risco

Hoje, o grupo de 15 a 24 anos é um dos mais vulneráveis à Aids. Nos últimos dez anos, a taxa de detecção da doença diminuiu 6,5% na população geral, mas subiu 41% nessa faixa etária. No país, a estimativa é que 781 mil pessoas convivam com o HIV.

Devem participar do estudo só jovens e adultos sexualmente ativos e considerados de risco ampliado –caso de gays e transexuais. "São populações com 12 a 30 vezes mais casos que a população geral", diz Fábio Mesquita, diretor do departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde.

Ele ressalta que, mesmo com o uso da estratégia preventiva, não é recomendável descartar a camisinha, uma vez que o preservativo protege contra outras doenças e reforça a proteção.

"É a primeira vez que [o método] será oferecido em uma escala real", diz Lelio Marmora, diretor-executivo da Unitaid, organização que estuda novas políticas contra Aids e financiará o projeto no Brasil.

O programa também deve envolver Unicef, Unaids (braço da ONU para Aids), Fiocruz e universidades, com apoio técnico do ministério, que avalia a inclusão da Prep no SUS.Hoje, o Truvada pode ser encontrado nos EUA a custos de até US$ 2.500 por usuário/ano. Aqui, aplicado em larga escala e distribuído a mais países, a Unitaid estima que o valor pode cair a US$ 100.

Para Georgiana Braga, diretora da Unaids no Brasil, a ideia é complementar o leque de opções para prevenir o HIV. "Fazendo um paralelo com saúde reprodutiva, tem camisinha, DIU, anticoncepcional e outras opções. A ideia é fazer a mesma coisa."

Preocupação

O receio de contrair o HIV foi o que incentivou Almir França, 55, a incluir, há um ano e meio, o uso de uma pílula preventiva contra o vírus em sua rotina diária."Minha geração toda morreu. Sou um sobrevivente disso", afirma ele, presidente do grupo Arco-íris, no Rio, que representa lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.

Ele participa de um estudo sobre a estratégia e diz que se sentiu mais tranquilo com a medicação. Não deixou a camisinha, mas aumentou a prevenção. "A eficácia é maior."Hoje, Almir está do lado oposto de um debate já esperado pelas autoridades de saúde diante do anúncio de novos estudos sobre a Prep (profilaxia pré-exposição).

Afinal, o uso de medicamentos anti-HIV pode estimular as pessoas a deixarem outras formas de prevenção, como a camisinha? "É uma polêmica interessante e que estamos esperando", diz o diretor do departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita.

A infectologista Valdiléa Veloso, que coordena estudo já em andamento sobre a adesão ao método, chama de "falácia" o argumento de que o medicamento preventivo pode limitar a camisinha.

Discussão semelhante ocorreu quando o governo começou a distribuir antirretrovirais para o tratamento de portadores de HIV. "Falavam que as pessoas iam deixar de se prevenir", diz a pesquisadora da Fiocruz.

Mesmo que haja redução no uso de camisinha, o importante é reduzir a transmissão do HIV, defende Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da USP. Para ele, é preciso oferecer alternativas.

Pesquisa do Ministério da Saúde mostra que, ao mesmo tempo em que 94% da população sexualmente ativa do país aponta a camisinha como a melhor forma de prevenção à Aids, 45% desse grupo não a usou no último ano.

"Se, para algumas pessoas, o uso de camisinha é difícil, temos que oferecer outra proteção", afirma Kallás.

"Muitos podem dizer que vai estimular o comportamento de risco. É o oposto: esse comportamento já acontece em todas as faixas. Não se pode virar as costas a isso por questões morais", diz.

Com informações da Folha de S.Paulo - Jornalista: NATÁLIA CANCIAN

Fonte: Farmacêutica Curiosa