Uma pesquisa feita em todo o país pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha, apontou que entre pessoas que tomaram algum medicamento nos últimos seis meses, 47% fez isso sem prescrição médica pelo menos uma vez por mês, sendo que em um quarto destes casos, amigos, vizinhos e parentes foram os principais influenciadores na hora da decisão. Dentre os 77% que confessaram que se automedicam, 25% fazem isso todos os dias ou pelo menos uma vez por semana, 22% uma vez ao mês e 30% menos de uma vez a cada 30 dias


No caso dos remédios psiquiátricos, o grande perigo é que, além de causarem dependência química ou psicológica, muitos consumidores fazem uso concomitante a outros remédios, sem orientação médica ou mesmo sem comunicar ao seu profissional de saúde. E a interação de antidepressivos com determinados medicamentos pode representar uma verdadeira bomba-relógio no organismo.


Sobre interação medicamentosa

Há dois tipos de interação medicamentosa: farmacocinética e farmacodinâmica. A farmacocinética é a influência de uma medicação sobre outra no que diz respeito ao "trajeto" do remédio no corpo, desde sua absorção e circulação no organismo até sua metabolização e excreção. A farmacodinâmica diz respeito à influência de uma medicação no funcionamento (sua ação farmacológica) de outro remédio.

A interação farmacocinética ocorre principalmente no fígado, responsável pela metabolização da maioria dos medicamentos. Há um sistema de enzimas (o sistema citocromo P450) que metaboliza as medicações. Se um determinado remédio inibe o funcionamento de alguma enzima desse sistema, outro medicamento que seja metabolizado por esta mesma enzima sofrerá uma redução desta metabolização, resultando numa quantidade maior da medicação circulando no organismo, o que pode causar mais efeitos colaterais ou mesmo uma intoxicação medicamentosa.

Inversamente, se um medicamento estimula o funcionamento de uma enzima, outra medicação, que reaja por esta mesma enzima, será metabolizada em quantidade maior, resultando na redução de sua quantidade no sangue, com redução do seu efeito terapêutico.
Tomamos como exemplo os antifúngicos, usados para tratamento de micoses como pé de atleta, dermatofitoses, candidíase, infecções sistêmicas como meningite, entre outros. A terapia envolvendo os antifúngicos imidazólicos fluconazol ou cetoconazol, concomitantemente ao escitalopram, um antidepressivo inibidor seletivo de recaptação da serotonina (isrs), pode resultar no aumento dos efeitos colaterais deste.

Isso acontece porque o escitalopram é um substrato da cyp450, e tanto o fluconazol como o cetoconazol inibem esta enzima. Com a ingestão dos dois medicamentos, o paciente pode ter náusea, vômitos, constipação, diarreia, dor abdominal, redução da libido, insônia, sonolência diurna, aumento da sudorese, entre outros. No caso da interação do antidepressivo com o antifúngico imidazólico, é raro que haja necessidade de reduzir a dose do antidepressivo.

Neste caso, o médico responsável pela prescrição do antidepressivo deve verificar a necessidade de ajustar a dose do medicamento e/ou monitorar periodicamente a eficácia e os efeitos colaterais dos antidepressivos, especialmente no início do tratamento. Daí a importância de deixar o médico a par de todas as medicações que estão sendo usadas pelo paciente.

Sobre o álcool e suas interações

O álcool é uma substância depressora do sistema nervoso central (SNC). Ele age estimulando o sistema GABAérgico (inibidor do SNC) e inibindo o sistema glutamatérgico (estimulador do SNC), além de agir em outros sistemas de neurotransmissão. O álcool é metabolizado no fígado pelas enzimas álcool-dehidrogenase e aldeído-dehidrogenase. Medicações que inibem a aldeído-dehidrogenase provocam aumento dos níveis de álcool no sangue (interação farmacocinética), por exemplo, algumas substâncias antifúngicas (metronidazol, cetoconazol).

Em relação aos psicofármacos como benzodiazepínicos, antidepressivos e antipsicóticos, a interação medicamentosa mais importante é a farmacodinâmica. Esses medicamentos potencializam o efeito depressor do álcool, pois são, eles próprios, substâncias depressoras do sistema nervoso central. Do ponto de vista da pessoa que ingeriu álcool e alguma dessas substâncias, a sensação é de ter bebido muito mais do que bebeu de fato; os efeitos de embriaguez são mais acentuados com doses pequenas de álcool.


Artigo feito por Prof. Dr. Mario Louzã, psiquiatra, doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha, e Membro Filiado do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.