Algumas cepas de terríveis infecções bacterianas, como a MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina, na sigla em inglês), apresentam resistência genética a antibióticos. Alguns agentes infecciosos, no entanto, parecem adquirir a capacidade de resistir a medicamentos que deveriam eliminá-las – sem apresentar o comportamento típico de resistência a antibióticos associada aos genes.

Durante décadas, pesquisadores acharam que essa resistência ocorria porque muitos antibióticos bloqueavam o crescimento celular. Assim, mesmo que a maioria das bactérias fosse morta pela droga, um grupo seleto simplesmente se desligava, entrando em uma espécie de hibernação, o que permitia que a infecção persistisse. Em outras palavras: se as bactérias não cresciam, também não morriam.

Mas um novo estudo sugere que o oposto está ocorrendo: algumas bactérias sobreviventes na verdade estão crescendo e se multiplicando ainda sob o ataque dos antibióticos. As descobertas foram publicadas na Science online, em 3 de janeiro.

"Nós achávamos que as bactérias sobreviventes compunham uma população fixa que parava de se dividir", disse Neeraj Dhar, do Instituto Federal de Tecnologia Suíço, em Lausanne, e coautor do estudo. Em vez disso, uma população estável de bactérias esconde uma colônia "muito dinâmica", contou ele.

Os pesquisadores estudaram a Mycobacterium smegmatis, uma parente próxima da bactéria que causa a tuberculose (a Mycobacterium tuberculosis), e tem frequente resistência ao tratamento com antibióticos. Turberculose continua sendo um grande risco à saúde em muitos países.

A análise tradicional de uma cultura persistente de M. smegmatis revelaria que a população não estava crescendo, o que levou os cientistas a pensar que a colônia tinha sido reduzida a "células persistentes" não-proliferantes que conseguia evitar o ataque de antibióticos ficando 'quietinhas'.

Ao usar imagens temporizadas, obtidas por meio de um microscópio, de cultura de células em microfluidos (o que permite observar mudanças de pequena escala), os pesquisadores encontraram uma história bem diferente.

"Usando microfluidos, nós agora podemos observar cada bactéria individualmente, em vez de termos que contar uma população", disse John McKinney, também do Instituto Federal de Tecnologia Suíço.

As células sobreviventes não estavam 'fingindo de mortas', elas apresentaram tendência a crescer igual a das células eliminadas.

McKinney e sua equipe observaram que mesmo após a introdução de um antibiótico e a morte da maioria das células bacterianas, uma grande porcentagem das chamadas células persistentes continuou a se dividir – 129 das 153 células progenitoras que os cientistas acompanharam se dividiram pelo menos uma vez durante o tratamento com antibióticos. E esse ciclo de crescimento, divisão e morte continuou por pelo menos 10 dias de exposição ao antibiótico.

O antibiótico era a isoniazida (conhecida pelos nomes Laniazid e Nydrazid), muito usada no tratamento contra a tuberculose.

A isoniazida só se torna ativa quando entra em contato com uma enzima da bactéria, chamada KatG. A enzima, porém, não era produzida consistentemente, como descobriram os pesquisadores. Em vez disso, células individuais a produziam em surtos aparentemente aleatórios. As células que por acaso tinham pausas em sua produção de KatG no momento certo geralmente não ativavam o antibiótico – e assim se salvavam da morte certa.

Células de M tuberculosis, que deveriam ser essencialmente idênticas geneticamente, mostraram propensão variada à sobrevivência, indicando possível papel de diferenças epigenéticas (como as de expressões de genes) na determinação da sobrevivência da célula. "Essa diversidade é crítica para a resistência microbiana em ambientes flutuantes porque garante que alguns indivíduos possam sobreviver a um estresse letal que de outra forma levaria a população à extinção", explicaram os pesquisadores em seu artigo.

Como a sobrevivência celular não parece estar ligada a mudanças genéticas permanentes nesse caso, a colônia bacteriana deve permanecer suscetível a futuros antibióticos, o que poderia ser uma boa notícia para o tratamento de infecções.

No entanto, dado o baixo nível de crescimento continuado e mudanças durante a exposição a antibióticos, "as bactérias podem sofrer mutações e assim desenvolver resistência em presença do antibiótico", explicou Dhar.

Essa descoberta agora mostra uma imagem mais clara de como a resistência a antibióticos pode se desenvolver em infecções bacterianas persistentes.

Com tantas bactérias individuais se reproduzindo, "algumas delas poderiam se adaptar a estressantes que não encontraram anteriormente, graças à seleção de indivíduos resistentes", lembrou McKinney.

Algumas das descobertas poderiam ajudar na produção de antibióticos mais eficazes e talvez medicamentos para outras doenças, como células cancerosas resistentes, apesar de os pesquisadores reconhecerem que o comportamento resistente de outras infecções bacterianas pode ser bem diferente.

Mesmo assim, essas ideias oferecem "uma nova abordagem para entender porque algumas infecções são tão difíceis de eliminar", declarou McKinney.

Fonte: Scientific American Brasil