O uso medicinal da maconha ainda é proibido na maioria dos países, mas um estudo realizado pela Universidade da Geórgia, nos EUA, concluiu que a liberação tem potencial para beneficiar pacientes e serviços de saúde pela redução no uso de diferentes medicamentos. Com base em dados públicos, os pesquisadores constataram um número médio de prescrição de remédios substancialmente menor nos estados americanos onde a cannabis foi liberada para fins medicinais, em comparação com as unidades da federação onde a erva é proibida para todos os fins. De acordo com o trabalho, esse consumo reduzido de medicamentos levou a uma economia de US$ 165,2 milhões para os cofres públicos em 2013.

— Os resultados sugerem que as pessoas estão realmente usando a maconha como medicamento, não apenas para propósitos recreativos — diz a pesquisadora Ashley Bradford, professora da Universidade da Geórgia e coautora do estudo publicado no periódico científico "Health Affairs".

Os pesquisadores analisaram dados de todos os estados americanos, entre 2010 e 2013, disponíveis no Medicare, programa do governo que atende a idosos e pessoas com doenças graves ou alguma deficiência. Dezessete estados, além da capital do país, Washington, já tinham liberado a cannabis medicinal nesse período (desde então, outras oito unidades da federação foram pelo mesmo caminho). O estudo levou em conta remédios usados no tratamento de nove condições para as quais a maconha pode ser indicada.

Em oito desses problemas de saúde, os médicos perceberam um número médio de prescrições menor nos estados onde o uso da maconha para seu tratamento é permitido. O resultado mais impressionante foi observado entre remédios para alívio da dor. Em média, nos estados onde a erva já era legalizada, cada médico prescreveu 1.826 doses a menos de analgésicos por ano.

Os resultados da pesquisa foram divulgados em meio a uma epidemia de mortes causadas por overdose de opioides usados para o alívio da dor no país. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), 78 americanos morrem diariamente por causa do abuso dessas substâncias — número quatro vezes maior do que na virada do século.

— Quando os estados implantaram leis sobre a maconha, nós vimos um afastamento substancial dos remédios — explica o sociólogo David Bradford, coautor da pesquisa. — Os resultados mostram que a maconha pode ser benéfica ao afastar as pessoas dos opioides.

Em menor proporção, os médicos dos estados onde o uso da maconha medicinal é legalizado prescreveram menos doses de medicamentos para o tratamento de ansiedade, náuseas, psicoses, convulsões, desordens do sono e espasticidade. Para o glaucoma, o número de prescrições de remédios sofreu um pequeno aumento, em 35 doses. David Bradford explica que o resultado era esperado. Quando um novo tratamento surge — no caso, a maconha — é comum o aumento no número de pacientes que vão aos consultórios em busca de informações. A cannabis reduz a pressão que o glaucoma provoca no olho, mas o efeito dura apenas uma hora.

— O glaucoma é a segunda condição mais procurada no Google ligada à maconha, logo após a dor — esclarece o professor. — É uma condição séria. Quando o glaucoma é diagnosticado, nenhum médico deixa o paciente sair sem tratamento.

ESTIGMA ATRASA PESQUISAS

O neurocientista Renato Malcher Lopes, mestre em Biologia Molecular e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), considera o resultado "impactante", mas não se impressiona:

— A ciência tem informações mais que suficientes para indicar o uso da cannabis e seus componentes para dezenas de males para os quais os pacientes ainda não encontram medicações satisfatórias, sobretudo para dores crônicas, epilepsia, autismo, sintomas do câncer e espasmos provocados pela esclerose múltipla.

Segundo Lopes, o estigma provoca atraso nas pesquisas clínicas com a planta. Mesmo assim, existem no mundo diferentes medicamentos produzidos a partir da cannabis ou com formulações sintéticas dos canabinoides canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) aprovados por órgãos reguladores.

Nos últimos anos, diferentes países deram legitimidade à cannabis como tratamento de saúde. Em dezembro de 2015, o Chile legalizou a maconha para tratar de doentes. Em maio, o Congresso da Colômbia aprovou o mesmo.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite prescrição e importação de medicamentos e produtos com CBD e THC em caráter excepcional para tratamentos de saúde, mediante pedido médico. Mas não permite o uso da planta in natura, ou seu cultivo.

O neuropediatra Eduardo Faveret, especializado no tratamento de epilepsia em crianças, considera os derivados da cannabis ferramentas terapêuticas importantes, com poucos efeitos colaterais. Desde a liberação do CBD no país, o médico já receitou a substância para cerca de cem pacientes, com redução no uso de outros medicamentos.

— Tenho pacientes que, depois da estabilização do quadro, puderam abrir mão de todos os outros medicamentos — disse Faveret.

Ele acredita que, pela multiplicidade de ações, segurança e eficiência, os derivados da cannabis vão ocupar o espaço de outros medicamentos à medida que o custo for reduzido, o acesso facilitado e mais médicos tenham conhecimento do assunto. No exterior há um mercado nascente de maconha medicinal, inclusive com gigantes farmacêuticos como a Bayern Schering Pharma, que distribui o Sativex no Reino Unido.

— Alguns países incentivam o surgimento de uma indústria para a exportação da cannabis medicinal. Por aqui, nem pesquisas a gente consegue fazer — critica Elisaldo Carlini, professor da Unifesp e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas. — Mais uma vez, o Brasil vai ficar para trás.

Fonte: O Globo

Fonte: Conselho Federal de Farmácia

Fonte da imagem: Portal O Dia Mundo & Ciência